Imagem: Pixabay |
Pr. Cleber Montes Moreira
— Vamos brincar de igreja? — Pedrinho propôs a Gustavo.
— Sim, vamos!
Então os dois reuniram algumas miniaturas de personagens de várias brincadeiras e arrumaram as peças sobre o tapete do quarto, formando o que entendiam ser um auditório. Emborcaram uma caixa para servir de púlpito, sobre a qual colocaram um homenzinho. Até uma bateria e um violão de brinquedo usaram para compor o cenário de um templo religioso. Ajeitaram tudo conforme sua imaginação infantil.
— Eu serei o pastor. E você?
— Serei o ministro de música! — Gustavo respondeu animado.
— O que devo pregar?
— Sei lá. Pregue o que as pessoas gostam de ouvir.
— Então podemos pedir dinheiro, como aquele apóstolo da TV. Que acha?
— Mas isso não é o que as pessoas gostam, é o que você queria que elas te dessem.
— É… então vamos dizer que curamos suas doenças, que oferecemos ajuda para resolver seus problemas. Depois disso a gente pede dinheiro, que é para manter o Ministério.
— Certo. Boa ideia.
— E você, vai cantar? Você é o ministro de música, tem de cantar.
— A gente pode cantar algumas músicas do CD que a mamãe estava ouvindo ontem. Como é mesmo aquela que fala do mel?
— Sabor de Mel, você não lembra?!
— Ah, é isso! Você consegue cantar um pedacinho? É para eu lembrar…
— “Tem sabor de mel, tem sabor de mel. A minha vitória…” Não lembro mais. Melhor cantar outra.
— Como é aquela que diz “Deus já preparou um pódio para sua vitória… A vitória chegou, a vitória chegou”?
— Não sei. Melhor cantar uma música de criança.
— Podemos cantar aquela daquele vídeo no YouTube: “Atirei o Pau no Gato”.
— Mas essa não é de crente.
— É sim. Eles cantaram no culto.
— É mesmo?!
— Sim! Foi numa igreja lá em Belo Horizonte.
— Está bem. A gente canta essa mesma. Ela é fácil.
Enquanto Pedrinho e Gustavo brincavam no quarto, na sala o pai assistia à televisão. O programa sensacionalista mostrava imagens flagradas de um helicóptero em um heliponto de um mega templo em São Paulo sendo abastecido com malas cheias de dinheiro doado por fiéis.
Embora o diálogo aqui apresentado seja fictício, o caso do helicóptero (e o da música “Atirei o Pau no Gato”) é verídico. Há muita gente brincando de igreja, de ser pastor, de ser apóstolo, de ser adorador, de ser crente… Gente que aprende a imitar a tonalidade de voz de certos pregadores famosos, que aluga espaços pequenos nos bairros, ou mesmo grandes salões, que se envereda pelo mundo da música gospel, e das mazelas…
Recordo de uma declaração dada por uma pessoa no Facebook: “Meu sonho é ser uma cantora gospel famosa. Eu sei que vou conseguir. Deus vai me dar a vitória!” Observem que o ideal da pessoa é alcançar fama, não é servir a Deus. Essas ambições florescem regadas ao som de mensagens e canções triunfalistas que exaltam o homem:
Acredite, é hora de vencerEssa força vemDe dentro de vocêVocê podeAté tocar o céu se crer (…)
Nossos sonhosA gente é quem constrói (…)
Tantos recordesVocê pode quebrarAs barreirasVocê pode ultrapassarE vencer (…)
Deus dá asas, faz teu voo (…)
Veja o que diz outra canção:
Tudo que ligarmos aquiLá no céu ligado será.Deus, eu ligo aqui agoraMinha casa, minha empresa,A fartura em minha mesa,Meu carro importado,Casamento abençoado,Só pra Te glorificar.
O mercado religioso é muito atraente. Nele há excelentes artigos de consumo, propícios à venda e lucrativos: músicas, palestras, cursos e treinamentos diversos, amuletos e um sem número de objetos, orações, correntes, “trabalhos” para trazer o amor de volta, para arranjar emprego, exorcismos, curas e todo tipo de serviço que alguém possa querer da parte de Deus. Certamente, os espertos, que gostam de brincar de igreja, sempre têm uma solução para o cliente. Se não tiverem, inventam; e criatividade é o que não falta. Pode ser um portal por onde o fiel possa passar, simbolizando a abertura de portas de emprego e outras oportunidades. Pode ser uma capa para dar proteção. Pode ser um manto. Pode ser um anel simbolizando alguma aliança com Deus. Pode até mesmo ser um “contrato” com Deus assinado pelo próprio Jesus Cristo. Que tal tocar num manto consagrado em Israel, na “arca da aliança”, ou na camisa suja de sangue de um certo apóstolo? Que tal um lencinho com o suor curativo? Há também rosas, águas e até vassouras ungidas, cada produto para um propósito específico. Você também pode comprar um “terreno” no céu e receber uma escritura simbólica.
Neste mercado lucrativo, muitos brigam por um lugar ao sol. Já viu a variedade de nomes de igrejas que estão por aí, e outras que vão surgindo? Quem não quer trabalhar como sócio, acaba abrindo o próprio negócio.
O tema é “conversa pra mais de metro”, é inesgotável a tal criatividade dos falsários da Palavra. Há sempre uma ideia nova. O circo não pode parar, a brincadeira tem de continuar: a roda da economia da “gospelândia” precisa girar!
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