Não podemos esperar comoção coletiva, medidas e campanhas eficazes, engajamento da mídia e outros esforços quando a hipocrisia é o comportamento mais comum numa sociedade “politicamente correta”
Imagem: Pixabay |
Cleber
Moreira
Praticamente o mundo inteiro mudou a rotina
por causa da pandemia do novo coronavírus. Muitos países adotaram
medidas, algumas extremas, de isolamento social. Escolas fecharam,
igrejas suspenderam os cultos presenciais, agências bancárias
reduziram o atendimento, o comércio foi afetado, e vários hábitos
comportamentais tiveram que ser revistos. No Brasil, em algumas
cidades, idosos acima de 60 anos estão sendo multados por saírem de
casa, em outras têm ocorrido até casos de confisco de máscaras,
respiradores e outros itens, suspendendo assim o direito de ir e vir
do cidadão e violando outras garantias constitucionais.
Empresas estão demitindo, as bolsas
fechando em queda, dólar aumentando, pessoas estocando alimentos e
artigos de higiene, sendo que em alguns lugares já há
desabastecimento. Enquanto o governo adota medidas para combater o
coronavírus, minimizar perdas econômicas, garantir empregos e
acalmar a população, a mídia sensacionalista promove pânico e
histeria. Não é sem razão que o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, passou o seguinte recado para os brasileiros:
“Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais. Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque eles só vendem se a matéria for ruim. Publicam o óbito, nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal. Todo mundo tem que se preparar, inclusive a imprensa. Se não for assim, vai trazer mais estresse à população.”
Logo a Rede Globo rebateu o que considerou
ser uma crítica de Mandetta à imprensa para “agradar o
presidente”.
Os noticiários divulgam constantemente
dados sobre a pandemia. Há até serviços onde os internautas podem
acompanhar, em tempo real, estatísticas sobre a Covid-19. Um exemplo
é o mapa online1,
criado pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, que reúne
informações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de outras
instituições de vários países sobre a doença. Segundo a
ferramenta, até o momento em que escrevo, o número de pessoas
infectadas em todo o mundo é de 718.685, as mortes somam 33.881, e
número de curados é de 149.076 pessoas.
As informações, como divulgadas, sobre o
novo coronavírus podem assustar. De fato o vírus tem uma taxa de
letalidade maior entre pessoas idosas, o que faz com que apenas na
Itália, até agora, sejam contabilizados 10.779 óbitos. Entretanto,
imagine se tivéssemos informações em tempo real sobre mortes por
outras doenças e causas como o câncer, a aids, o álcool, o
cigarro, acidentes de trânsito, etc. Segundo o site Wordmeter2,
neste ano, até o momento, morreram no mundo 14.315.908 pessoas,
sendo que apenas hoje ocorreram 136.700 mortes. E pode acreditar,
diante destes números, o percentual de mortes por Covid-19 é
ínfimo.
Segundo o ranking criado pela OMS, a partir
dos dados coletados em 2016, as dez principais causas de morte no
mundo são, por ordem: cardiopatia isquêmica, acidente vascular
cerebral (AVC), doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções das
vias respiratórias inferiores, alzheimer e outras demências, câncer
de pulmão, traqueia e brônquios, diabetes mellitus, acidentes de
trânsito, doenças diarreicas e tuberculose.3
Uma matéria de 2018 revelou que morrem, anualmente, cerca de 1,25
milhão de pessoas no mundo por acidentes de trânsito.4
Entretanto, a divulgação destes dados, quando não ignorados pela
mídia, não causa histeria na população.
A morte é tema que incomoda muita gente,
principalmente quando ela não acontece de modo natural. Por isso há
comoção social neste tempo de pandemia. Ninguém quer morrer, nem
ver seus amigos e familiares, sejam crianças, jovens, adultos ou
idosos, morrerem por Covid-19. Por isso, por ser uma enfermidade
nova, com a qual ainda estamos aprendendo lidar, talvez seja
compreensível — não justificável — o quadro de histeria
coletiva que se desenha no momento.
Se é para haver comoção — e histeria —,
que tal pensarmos num tipo de causa que mata cerca de 40 a 50 milhões
de pessoas anualmente, segundo a OMS, e que este ano, até o momento,
já provocou quase 11 milhões de óbitos em todo o mundo? Que tal a
imprensa divulgar estes dados em tempo real, abordar o tema nos
noticiários e outros programas, orientar o povo e cobrar das
autoridades medidas que atenuem este quadro? Que tal debates e
campanhas educativas no rádio, na TV, na internet e espaços
públicos sobre a questão? Que tal os políticos tomarem medidas e
criarem leis que impeçam a matança? Infelizmente não podemos
esperar comoção coletiva, medidas e campanhas eficazes, engajamento
da mídia e outros esforços, pois quando o assunto é a morte de
indefesos, o aborto, a hipocrisia é o comportamento mais comum numa
sociedade focada no “politicamente correto”. Tudo o que temos são
vozes solitárias e grupos considerados “conservadores”,
“retrógrados”, “fundamentalistas” etc., que inconformados
com a degradação social insistem na crença e prática de valores
outrora exaltados, hoje rejeitados pelo senso comum.
IMPORTANTE: Este artigo pode ser compartilhado desde que citada a fonte e informado o link desta página.
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1 https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6
(acessado em 29 de março de 2020)
2 https://www.worldometers.info/br/
(acessado em 29 de março de 2020)
3 https://brasilescola.uol.com.br/biologia/10-principais-causas-morte-no-mundo.htm
(acessado em 29 de março de 2020)
4 https://jornal.usp.br/atualidades/acidentes-de-transito-no-brasil-um-problema-de-saude-publica/
(acessado em 29 de março de 2020)
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