Membros comprometidos com o Corpo de Cristo, ou apenas consumidores de conteúdo religioso digital?
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Pr. Cleber Montes Moreira
A realidade presente, em função da pandemia, nos obriga a buscar alternativas e soluções para que as coisas funcionem, e isso inclui as igrejas. Embora a presença virtual das igrejas já fosse uma realidade, em virtude da situação atual aumentou significativamente. Até mesmo igrejas que não tinham página no Facebook ou canal no YouTube, por exemplo, ingressaram nas redes com cultos, estudos bíblicos, PGMs, aconselhamentos etc. É certo que as redes sociais são excelentes ferramentas de comunicação, e a presença online pode contribuir para que a mensagem do evangelho tenha maior abrangência e alcance muito mais pessoas, sendo, assim, um recurso do qual as igrejas não devem se abdicar. Entretanto, o seu uso inadequado pode acarretar sérios prejuízos. Exemplifico: Durante este período algumas igrejas inovaram (se é que podemos chamar isso de inovação) e, além das transmissões onlines, passaram a celebrar a “Ceia Online”, “Batismos Online”, e até passaram a realizar “Celebração Online de Casamento”, coisas antes inimagináveis que agridem o bom-senso e ferem a sã doutrina.
Pelo que temos visto, parece que as “inovações” não terminaram. É o caso de certa igreja que resolveu reformar seu estatuto e incluir nele uma nova “modalidade de membros”, os chamados “membros onlines”. Certamente que esta igreja terá que implementar formas online para receber estes membros, seja por carta de transferência ou por batismo, bem como desenvolver métodos de interação online, e oferecer-lhes tudo que um membro presencial tem à disposição em sua igreja local. Esta igreja também terá de celebrar a ceia online, e criar condições para doutrinamento — se é que isso interessa, bem como tomar outras providências.
Um líder denominacional, numa live recente, admitiu a possibilidade de “igrejas onlines” — totalmente online, sem um templo com endereço físico, apenas com endereço virtual, que receba membros e que realize todas as suas celebrações, inclusive das ordenanças bíblicas, online. Chegou a discorrer sobre o “conforto” de ser um membro online, tendo, por exemplo, a liberdade para escolher seus horários: o membro poderia acordar tarde, almoçar, ver TV, jogar uma partida de futebol e, à tardinha ou mesmo à noite, participar da EBD — propôs. Apresentou ainda a possibilidade de alguém se tornar membro de uma igreja distante de sua casa, uma vez que no mundo virtual não teria que percorrer quilômetros para participar do culto, bastando, para isso, apenas alguns cliques.
É certo que as pessoas buscam facilidades. Já podemos ter na palma da mão, digo, no smartphone, o nosso Título de Eleitor, a nossa CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e outros documentos importantes. Não precisamos sair de casa para pedir comida e várias outras coisas, pois já há serviços de entrega para quase tudo. Até médicos há que estão realizando “consultas virtuais”, e planos de saúde que oferecem o serviço. Faz pouco tempo li um anúncio inusitado de uma profissional oferecendo “atendimento odontológico online” — fiquei surpreso e pensativo: como seria tal atendimento? Se as pessoas podem fazer transações bancárias online, consultar um advogado online, namorar (e trair) online e tantas outras coisas, por que não podem “cultuar”? Aliás, igrejas apenas online já são uma realidade. Por incrível que pareça há uma que afirma ser “uma igreja relacional” — estão confundindo ‘comunhão’ com ‘conexão’.
A Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira diz que a igreja é “uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após profissão de fé”1. Por este entendimento é que os batistas fundamentam sua eclesiologia no conceito de igreja local (não virtual), porque nela o salvo é recebido, desenvolve e realiza seus dons servindo a Deus, ao próximo e à sua comunidade; é na vida da igreja local que ele experimenta a comunhão e pratica a mutualidade. Este conceito de igreja como “ajuntamentos” locais está explícito no Novo Testamento. Apresento aqui apenas algumas referências: Paulo e Silas passaram pela “Síria e Cilícia, confirmando as igrejas” (Atos 15:41). Paulo saudou “às igrejas da Galácia” (Gálatas 1:2). Aquila e Priscila, em Roma e em Éfeso, cediam seu lar para as reuniões da igreja (Romanos 16:3-5; 1 Coríntios 16:19). O Senhor Jesus escreveu, por meio de João, cartas às sete igrejas da Ásia (Apocalipse 2 e 3). Paulo, corrigindo os desvios na celebração da Ceia do Senhor na igreja em Corinto, repreendeu aqueles irmãos dizendo: “De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor”; “Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros” (1 Coríntios 11:20,33 — grifo do autor). O mesmo conceito é usado quando o apóstolo trata sobre a questão de “línguas”: “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?” (1 Coríntios 14:23). Já o escritor Aos Hebreus faz a seguinte exortação: “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”. Na Bíblia King James Atualizada lemos: “Não abandonemos a tradição de nos reunirmos como igreja, segundo o procedimento de alguns, mas, pelo contrário, motivemo-nos uns aos outros, tanto mais quanto vedes que o Dia está se aproximando. O castigo do pecado renitente” (Hebreus 10:25 — grifo do autor). O autor usa o grego episunagógé, significando “um encontro, uma assembleia”2, e as ações mencionadas no texto somente são possíveis presencialmente.
O conceito de “igreja virtual” ou “igreja online” — diferente de presença online — fere a ideia de igreja corrente no Novo Testamento e, portanto, deve ser rejeitada.
Por fim, entendo que a realidade de “igrejas online” transforma o membro em mero consumidor de conteúdo religioso digital — ele deixa de ser membro “dos outros” (Romanos 12:5; Efésios 4:25), de ser um cooperador que serve com seus dons para a edificação do Corpo de Cristo e, sem a necessidade de compromisso e fidelidade com uma igreja local, sem a consciência de pertencimento, ele passa a navegar em busca dos melhores serviços e conteúdos, ou daquilo que lhe agrada. Assim fazendo ele acaba se transformando num nômade virtual, ou mesmo num desigrejado moderno.
1 http://www.convencaobatista.com.br/siteNovo/pagina.php?MEN_ID=22
2 Strong